A crônica do apressado


   Zé da Silva era um executivo bastante ativo. Trabalha quase doze horas por dia. Não tinha tempo para mais nada. Trabalhar era seu negócio. Trabalhar era o seu dever. Trabalhar era sua motivação para a vida.
   Vivia a reclamar do trânsito. Queria chegar meia hora antes no trabalho. Trabalhar era seu negócio.
   No trabalho era sempre o primeiro a falar, o último a se calar e o primeiro que ninguém queria muito se aproximar. Falava muito, depois parecia que nem se lembrava mais do assunto. Falava, falava. Era negócio daqui, meta dali, exigências de lá. Ele falava, mas pouco ouvia. Sua vida seguia no monólogo habitual. Sua discussão interior era tão intensa que sozinho ele se sentia agrupado. Eram vozes, ruídos, pensamentos que não se calavam.
   Zé continuava assim. Passava por cima de todos. O trabalho era seu negócio. A família se desfizera, ele nem muito se importava. Seus filhos mal o viam, melhor assim, menos dinheiro para pedirem. Seu cachorro fugiu de casa, ainda bem, aquele babão sujava tudo. E as vozes dos negócios gritavam ainda mais forte em sua cabeça. E o resto ficava sempre para um dia quem sabe.
   Em um voo a trabalho, Zé da Silva, apressado como sempre, com sua mente povoada de assuntos diversos do trabalho feito, do trabalho a fazer, do trabalho... Zé cochila e acorda em pleno voo, desesperado porque achou que perdia a hora de seu compromisso. Mas o avião em que estava sofreu uma turbulência. Depois outra. E mais outra. O Zé se desespera. Não pelas dificuldades do voo, mas porque chegaria atrasado em seu compromisso.
   Passado meia hora, atormentado de pensamentos sobre o seu suposto atraso na reunião de negócios, esbravejando contra as turbulências que ainda continuavam, Zé consegue, não sei como, abrir a porta do avião e salta, querendo chegar mais cedo na reunião. Ele só se esqueceu do paraquedas.
   Na queda, se enraivecia ainda, por esquecera sua maleta no banco do avião. Trabalhar era seu negócio. Fiquei sabendo que seu voo se recuperou logo das turbulências e chegou a seu destino sem problemas. A não ser para o Zé.
   Nosso Zé espatifou-se no chão. Foi onde conseguiu chegar. Não perdeu somente o compromisso de negócio, perdeu a vida, aliás, se é que o nosso Zé tinha mesmo uma. 

 Pedra Sutil

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