A crônica do apressado
Postado por
Sílvio Titato
domingo, 15 de julho de 2012 at 08:46
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Zé da Silva era um executivo bastante ativo. Trabalha quase
doze horas por dia. Não tinha tempo para mais nada. Trabalhar era seu negócio.
Trabalhar era o seu dever. Trabalhar era sua motivação para a vida.
Vivia a reclamar do
trânsito. Queria chegar meia hora antes no trabalho. Trabalhar era seu negócio.
No trabalho era
sempre o primeiro a falar, o último a se calar e o primeiro que ninguém queria
muito se aproximar. Falava muito, depois parecia que nem se lembrava mais do assunto.
Falava, falava. Era negócio daqui, meta dali, exigências de lá. Ele falava, mas
pouco ouvia. Sua vida seguia no monólogo habitual. Sua discussão interior era
tão intensa que sozinho ele se sentia agrupado. Eram vozes, ruídos, pensamentos
que não se calavam.
Zé continuava
assim. Passava por cima de todos. O trabalho era seu negócio. A família se desfizera,
ele nem muito se importava. Seus filhos mal o viam, melhor assim, menos
dinheiro para pedirem. Seu cachorro fugiu de casa, ainda bem, aquele babão
sujava tudo. E as vozes dos negócios gritavam ainda mais forte em sua cabeça. E
o resto ficava sempre para um dia quem sabe.
Em um voo a
trabalho, Zé da Silva, apressado como sempre, com sua mente povoada de assuntos
diversos do trabalho feito, do trabalho a fazer, do trabalho... Zé cochila e
acorda em pleno voo, desesperado porque achou que perdia a hora de seu
compromisso. Mas o avião em que estava sofreu uma turbulência. Depois outra. E
mais outra. O Zé se desespera. Não pelas dificuldades do voo, mas porque
chegaria atrasado em seu compromisso.
Passado meia hora,
atormentado de pensamentos sobre o seu suposto atraso na reunião de negócios, esbravejando
contra as turbulências que ainda continuavam, Zé consegue, não sei como, abrir
a porta do avião e salta, querendo chegar mais cedo na reunião. Ele só se
esqueceu do paraquedas.
Na queda, se
enraivecia ainda, por esquecera sua maleta no banco do avião. Trabalhar era seu
negócio. Fiquei sabendo que seu voo se recuperou logo das turbulências e chegou
a seu destino sem problemas. A não ser para o Zé.
Nosso Zé espatifou-se no chão. Foi onde
conseguiu chegar. Não perdeu somente o compromisso de negócio, perdeu a vida,
aliás, se é que o nosso Zé tinha mesmo uma.
Pedra Sutil
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