Reflexão sobre a vida
De repente depara-se com o espelho de uma forma inovadora. Observava os traços esquecidos de si mesmo; havia solidão e amargura misturados com a sensação de renovação. Não pestanejou: tomou o aparelho de barbear e fora tirando a barba rala e mal cuidada que há meses não fazia. Os pelos do rosto caíam juntamente com as lágrimas ressecadas de tantas decepções. As águas que jorravam das retinas ardiam a pele, mas se via na necessidade de derramá-las...
Lavou o rosto, segurava a água nas mãos com um toque jamais sentido, nunca notara que tão precioso e renovador era aquele líquido que acariciava sua pele, levava o resto de pelos aparados pelo barbeador e tornava a pele mais iluminada.
Minutos depois, viu-se nu no espelho e decidiu sentir a leveza da água em todo o seu corpo e fora se por embaixo do chuveiro... Lavou-se... passou muito tempo embaixo daquela água, deixou por último as mãos. Foi nesse momento que a tristeza apertou e o fez lembrar de que horas antes suas mãos seguravam uma arma que ficara apontada por trinta minutos em sua cabeça, minutos esses que foram de muitas reflexões, medos, amarguras... Viu sua vida passar nesse tempo e quis não estar mais entre os mortais, não ter mais que dividir sua vida com tantas pessoas que fazem mal, que são mentirosas, mesquinhas, que faziam juras falsas de amor, que a ganância prevalecia, e o pior, via-se infectado também por todos esses defeitos...
Sim, a morte o abraçou, mesmo sem seus pulmões terem parado, mas ela o abraçou. Sentiu-se frio, pálido, naquele quarto escuro, sozinho e esquecido...
Mas o que o levou a desistir de tirar a vida? Nem ao menos ele sabia, uma força descomunal o invadiu e o fez sentir-se renovado, com um novo ânimo. Era o fundo do poço. Ou ele morreria afogado ou deveria subir, descer não havia mais como... Ele preferiu subir e encarar o espelho. E encarar a vida. E encarar os problemas e entender que ele mesmo era o autor de sua história e só ele poderia fazê-la diferente, e, que cada pessoa que passou por sua vida, e lhe fez mal, nem sempre foi feito com má intenção. E descobriu que as pessoas podem errar, que até ele mesmo poderia se dar ao luxo de cometer besteiras, e já até se desculpava da tentativa de suicídio, e já até desculpava quem fizera mal a ele...
Vestiu-se como nunca havia feito. Penteou os cabelos por longos minutos, verificando cada ângulo para ter uma exata simetria com seu rosto. Passou um bom perfume e saiu a caminhar como mais um ser comum que tem problemas, decepções e que também já teve tantas alegrias e realizações. E entendeu que a vida é feita de tentativas, e estamos sujeitos ao erro e ao acerto, e quando o primeiro ocorrer, será necessário fazer de novo. Ou mudar os planos. Ou mudar de amigos. Ou mudar de cidade. Ou mudar de roupa. Ou mudar de trabalho. Ou, simplesmente, mudar a forma de ver as coisas... Balançou os ombros para seus pensamentos com o tom de "tô nem aí" e saiu a assoviar, acenou para algumas crianças que brincavam na rua, sentiu a brisa leve em sua face e sorria, sorria por dentro e já não via a hora de arriscar-se em algo novo, pois já compreendera muitas coisas naquela noite de natal...